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1.9.11

Padaria.

Para ouvir:Dave Matthews Band - You & Me

 Ele era lindo.Muito mais do que lindo.Tinha um sorriso só dele e um olhar tímido que derretia qualquer uma.Entrava sempre no mesmo horário naquela padaria com a parede de azulejo que era minha parada obrigartória toda manhã.Ele era simpático ,até mesmo quando estava chovendo e o jeans dele estava completamente molhado.Sempre sorria pra senhora que chegava depois dele, sempre cedia o lugar dele na fila pra ela.As compras variavam ,mas eram basicamente um maço de cigarro light, um cappucino quente e um chiclete (de menta era seu preferido, mas quando não tinha ele pegava de morango).Sentava sempre na mesma mesa, escorado no vidro, colocava os pés sobre o banco e lia um jornal.As vezes um livro.Semanas atrás ele estava lendo uma antologia de Vinícius de Moraes.Lindo e com bom gosto.Ele tomava o café e tragava devagar.Quando não lia nada, estava com fone de ouvido e ficava batendo os dedos sobre a mesa de madeira escura.Eu sempre fiquei atenta pra tentar saber que música era, mas nunca descobri.O unico defeito era carregar um orifício prata na mão direita.
Essa semana ele entrou e não sorria.Seu all star vermeho nem estava molhado, mas ele não sorria.A manhã de outono estava bonita,um sol amarelo, mas ele não sorria.Ele estava sem a roda nos dedos, em seu lugar só havia um pedaço de pele mais claro, como se a aliança fizesse parte dele.Pediu um maço de cigarro com filtro vermelho.Algo não estava bem.O ultimo maço de cigaro vermelho repousava em cima da minha mesa.Ele não comprou cigarro naquela manhã.No lugar do capuccino, um café expresso sem açucar.No lugar do chiclete, bala de hortelã.Não leu jornal.Não ouviu música.Tirou um cigarro do bolso (que deve ter sobrado do outro dia) e tragou o mais devagar possível.Eu podia jurar que seus olhos estavam mais molhados que o normal.Cruzamos o olhar e eu sorri (um sorriso caridoso).Ele sorriu surpreso e desviou o olhar, olhando para o lado de fora.Havia um casal abraçado.Ele olhou e abaixou o olhar.
Eu peguei minhas coisas e quando passei do seu lado, deixei o maço de cigarro de filtro vermelho na sua mesa.Sorri e disse 'você está precisando mais do que eu."
Atravessei a rua e peguei meu onibus.
No outro dia , sentei no mesmo lugar.O estoque de cigarros de filtro vermelho já havia sido reposto.Comprei o meu e pedi meu croassaint de chocolate com chocolate quente como de costume.Ele entrou e de novo não sorriu.Pegou dois maços de cigarros de filtro vermelho , um cappucino e chiclete de menta.Sentou-se no mesmo banco, sem música, sem jornal.Tirou a aliança do bolso do seu jeans surrado e ficou fumando e olhando para ela, rodando em cima da mesa.Uma lágrima rolou.Ele olhou no relógio, levantou-se e veio em minha direção.
- Você salvou minha vida com isso guria - me devolveu o cigarro - obrigada.
Ia saindo quando eu tomei coragem e soltei:
- Na verdade - eu coloquei o maço na minha bolsa- eu te deixei mais perto da morte por cancêr.
Ele parou, como se precisassem de um tempo para assimilar que eu estava falando com ele.Virou-se sorrindo pra mim.
-Mas eu estava pensando em uma morte mais rápida - disse vindo em minha direção - um caminhão ou um onibus talvez.
- Perto daqui tem uma linha de trem - sorri - acho que pode ser mais rápido.E mais garantido também.
Ele estendeu a mão :
-Prazer menina do cigarro do filtro vermelho chocolate quente e tatuagem de coração no dedo.
Estendi sorrindo:
- Prazer moço do cigarro light e da antologia de vinicius de moraes.
-Sabe - ele sorriu e sentou ao meu lado - existe coisa mais patética que um homem chorando? - ele riu um sorrisso triste.
- Na verdade , sim - eu disse me inclinando para falar mais baixo - o cara que trabalha na padaria que olha pra bunda de todas as mulheres que entram - apontei discretamente.
Ele sorriu.E ai ficou aquele silêncio, onde você poderia cortar a tensão com uma faca.
- É verdade o que dizem ? - ele disse olhando pro casal caracteristico do outro lado da rua - que tu só tem um amor na tua vida toda? Só uma metade da laranja? - olhou nos meus olhos.
- Eu acho que é sim... mas eu também acredito que se for mesmo o amor da sua vida, não acaba.É aquela história que "o que é verdadeiro não volta,o  que é verdadeiro fica."
-Querido John - ele riu.
-É - eu ri - enfim.Mas sabe no que eu acredito? A dor um dia passa - eu me levantei - pode demorar,mais passa.
- Você acha mesmo?
- Acho - eu me inclinei e dei um beijo no rosto dele.O cheiro de perfume e cigarro continuam sendo a melhor combinação de cheiros que existe no mundo - passou pra mim.Então vai passar pra você também.
Fui indo até porta quando ouvi:
- Salvou minha vida de novo guria.Até amanha.

2 comentários:

Clauber Nascimento disse...

Lindo, como sempre *----*

comentando por livre e espontânea pressão uahuaehuaeh ♥

LoLa disse...

É O MELHOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOR DO MUNDO ♥♥♥♥♥