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7.9.11

Três e quarenta e sete da manhã.

Para ouvir:Lisos Abraços - Megh Stock

"Estranho, meu celular tocando essa hora.Deixa , deve ser algum amigo bebâdo me ligando.Mais, de novo? é melhor eu atender..."
O sono não me deixou sair da cama de primeira.Pensei melhor uma, duas , três vezes e ai o celular parou de tocar.Pensei em voltar pra cama mas antes mesmo do meu corpo conseguir pensar na possibilidade de se mexer de novo, ele começou de novo.
- Alô.
- Oi.
Eu conhecia aquela voz.E puta que pariu, como conhecia aquela porra de voz.Meu coração acordou num salto, e senti um arrepio da minha cintura até a nuca.Passei de zumbi há medalhista olimpida depois de um triatlon em menos de 2 segundos e só por causa de 2 letras.
- Oi, tá me ouvindo?
- Tô sim - talvez fosse o sono, ou o choque,mas eu não estava muito animada em responde-lo.
- Tá.Eu preciso falar com você.Preciso mesmo sem brincadeira.Você tá em casa?
- Tô sim... quer dizer, eu acho que tô.Aconteceu alguma coisa?
- Não, não aconteceu não.Alias, aconteceu sim mas... tô indo ai tá bom?
Desligou.Demorou um segundo pra eu poder ligar os fatos: ele estava vindo pra cá.Tive que pensar mais mil vezes, parando em cada palavra e imaginando uma cena pra ver se o cérebro entendia.E L E - V I N D O - P R A - C Á.Pulei da cama.Meu maço de cigarro estava na gaveta ao lado , já preparado para emergências.Levantei da cama e me olhei no espelho.Rímel até a bochecha e cabelo bagunçado (alias, estava em um estado de calamidade total).Mas, passei 5 anos com ele.Ele já me viu assim várias vezes.
Lavei o rosto pra tirar o excesso do rímel e prendi o cabelo com um grampo.Coloquei os óculos e uma blusa de moletom antiga que eu tanto amava que cobria a parte de baixo do meu pijama.
Fui para varanda e estava no ultimo trago quando vi o carro preto estacionando na porta do prédio.Como de costume ele não buzinou.Por um momento tudo parecia ser como era antes.
Desci e o vi dentro do carro.É engraçado, mas nunca consigo lembrar o rosto dele.Não é culpa dos meses que estamos separados nem de todo o choro que pode ter borrado as imagens na memória, mas quando estávamos juntos também era assim.Não é aquela coisa de ver na rua e não saber quem era, mas os detalhes do rosto dele sempre me fugiram.Talvez por isso meu coração gritasse sempre que eu o via.Era algo como 'tenta gravar essa imagem ai mulher, porque ela me faz uma falta que tu não tem noção."
Entrei no carro e o som tocava Ira!.Ele estava com a jaqueta de couro que eu havia dado pra ele no nosso 3° aniversário, e eu percebi que algo estava errado.
- Você tá com a jaqueta da sorte - disse fechando a porta com cuidado.
-É - ele disse olhando no meu olho - te acordei? Perdão.Mas eu precisava falar com você boneca.
Pegou no meu ponto fraco.Ele abaixou o som e respirou fundo.
-Aconteceu que eu preciso de você.Que eu te amo e nada nem ninguém vai mudar isso.Você é a única pessoa que me conhece de verdade, me conheceu na pior época da minha vida e me apoiou.Ficou do meu lado.Eu te amo pequena.E cada dia longe de você só me provou isso , que nenhuma outra é tão perfeita quanto você, nenhuma outra tem seu cheiro de shampoo e nenhuma fuma teu cigarro de cereja.Nenhuma outra deixa a casa toda avermelhada quando vai pra varanda tomar sol.Nenhuma canta desafinado quando Chico Buarque toca no celular.Alias - ele riu e olhou pro rádio - acho que nenhuma outra tem Chico Buarque no celular.E bom , eu tive que vim falar agora porque não queria deixar a oportunidade passar.Vem , tá frio do jeitinho que você gosta.Vamos lá pra casa e eu te faço chocolate quente,aquele do jeitinho que você gosta, a gente assiste aquele seu filme favorito que tem a Natalie Portman pela 14° vez e dorme junto.Volta pra mim boneca.
- Deixa eu te perguntar Gustavo - eu disse olhando pra fora- o que aconteceu com a sua namorada? Aquela que você esfregou na minha cara 2 semanas depois da gente ter terminado.Aquela sabe? Que você levou no meu bar favorito no dia que tocaria minha banda favorita.O que aconteceu com ela?
- Não deu certo - ele disse olhando pro nada.
- Quem terminou Gustavo?
- Ela - ele disse com desespero - mas deixa eu te explicar - pegou a minha mão - ela terminou comigo porque percebeu que eu só to com ela pra esquecer você...
- Gustavo - eu disse chegando perto do rosto dele e colocando o dedo na sua boca- não precisa falar mais nada.Boa noite.E não me procure mais, por favor.
Sai e bati a porta do carro, com a sensação que deixei todo o peso de 50 toneladas que eu carregava nas costas desde que ele terminou comigo dentro daquele sedan preto.

Um comentário:

Dricka disse...

Como perdoar um homem que nos tire da cama as Tres e quarenta e sete da manhã?