Para ouvir : King of pain - Alanis Morissette
Acordei um tempo depois, com ele ao meu lado, dormindo. Tão lindo, e calmo.Tudo estava meio surreal e eu não conseguia distinguir a realidade.E ai eu ouvi barulho na casa.
- Chegou gente – ele disse sem abrir os olhos.
-Vish.
Ele se levantou, se vestiu e como se nada tivesse acontecido, ligou a televisão e deitou do meu lado. Eu coloquei a roupa e fui ao banheiro lavar o rosto.
Enquanto tentava desembaraçar os nós do cabelo, ouvi a voz do Guto no quarto.
- Pequena... Ah, oi Caetano. A Ana tá melhor?
- Tá sim cara – ele disse com a maior calma e naturalidade do mundo – eu coloquei ela no banho quando cheguei e a febre baixou. Ela dormiu e eu acabei pegando no sono também, por isso nem voltei lá pra praia.
- Ah... tá beleza... A gente tá começando a arrumar as coisas... Se puder vem dar uma força.
-Beleza cara, to indo já.
Ouvi a porta fechando. Sai do banheiro e ele olhou pra mim e sorriu.
- Tá tudo certo. Você tá melhor né? Vou lá ajudar eles a arrumarem a bagunça.
Eu ia dizer “ok” e não sair da porta do banheiro. Eu ia falar “tá, ai lá” e fingir que o que tinha acontecido não foi nada, eu ia sair do quarto com cara de doente e falar que eu acabei de acordar.Eu ia mesmo.Mas alguma força maligna me fez dar dois passos até ele e o beijar.Assim, do nada, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
- Vai lá – eu o abracei.
- Ãhn... Ana? Posso te pedir uma coisa?
- Pode sim - o soltei e dei um passo para trás.
- É... Não comenta o que aconteceu não tá?Pra não ficar um clima estranho com ninguém, não ficar estranho com o Guto, não atrapalhar no serviço... É como dizem, “o que acontece na praia fica na praia”.
Ele me deu um beijo sem gosto na boca e saiu do quarto. E ai eu não posso explicar o que senti na hora, se mais ódio dele, ou mais ódio de mim, ou mais nojo dele ou nojo de mim por deixar isso acontecer quando eu até sabia que ele não vale nada.Quer dizer, ele enfiou isso na minha cara o final de semana inteiro, que não presta, que não é legal, e ai ele chega um dia e só porque se mostra um pouco preocupado eu vou pra cama com ele.Eu sou uma idiota.
Assim que ele saiu eu senti que começaria chorar, mas me segurei. Não hoje, não dessa vez, não nesse quarto e nem por esse cara.Não valia a pena.Peguei o celular que estava dentro da gaveta o final de semana todo, coloquei uma música pra tocar e acendi o cigarro.Não agora Ana.Em casa Ana.
Comecei a arrumar as malas tentando ignorar que alguns momentos antes, o Caetano, aquele, do trabalho, lindo e com as camisas xadrez mais lindas do mundo estava naquele quarto comigo. E tentar esquecer que ele era um idiota completo.
Ai o Guto entrou no quarto.
- Você tá melhor Ana?
Hum, Ana.
- Tô sim Guto... Obrigada por se preocupar.
- Tá- ele olhou ao redor – já estamos quase acabando de arrumar as coisas. Você tá com seu carro né? Então não vou te oferecer carona.
- Não precisa, eu vim sozinha no carro, mas se quiser eu deixo alguém em casa.
- Não, não preciso – ele disse sentando na cama – eu levo. Ana, posso te fazer uma pergunta?Que alias, nem é uma pergunta, posso constatar uma coisa?
- Claro que pode Guto – traguei devagar, esperando ele perguntar o que eu já sabia o que ele perguntaria. Ele me conhece.Sabe quando eu to segurando choro ou algo do tipo.
- Você e o Caetano... – ele procurava palavras pra perguntar mexendo em um fio solto do edredom – quer dizer, rolou né? Ele me disse que você dormiu e ele também acabou pegando no sono, mas eu sei o que vem antes dessa parte... Então, pode falar pra mim, juro que fica entre nós. Rolou alguma coisa né?
- Aham – eu disse sentindo um soco no estomago. Queria chorar.Queria deitar no colo dele e chorar e fazer drama (porque é isso que eu sei fazer de melhor) e sentir o mundo acabar e o que ele me disse doer de novo.Mas não podia.Eu fiz, não fiz?Foi bom, não foi?Aguente as consequências agora Ana. Sozinha – mas não foi nada de mais...Sabe, carência de um lado, ego ferido do outro... Ai rolou.
- Mas você tá bem?
- Sim – eu menti – porque não estaria?
- Sei lá... Esse cara é meio escroto... Ele chegou na Julia antes de vir pra cá, ela deu um fora e ele saiu todo nervosinho.Por isso ninguém veio atrás, porque ele tava puto.Mas enfim, se você tá bem, tudo bem.Vou colocar as malas no carro.
Ele saiu do quarto com a cara mais decepcionada do mundo e isso acabou comigo de vez. Sem choro.Terminei de arrumar as malas, a cama, e sai do quarto.
Todos já estavam prontos, a casa arrumada e as malas no carro. Eu disse que estava melhor umas 25 vezes, agradeci todo mundo pela viajem, sussurrei no ouvido da Julia que depois queria falar com ela, dei um abraço apertado no Guto e menti, falando que tinha que chegar em casa mais cedo para levar minha mãe para um lugar que eu não lembrava onde era.O Caetano veio me cumprimentar por ultimo, me deu um abraço, disse com o tom risonho ‘marcaremos mais coisas juntos’ e mordeu a minha orelha, disfarçadamente (se é que isso é possível).
Eu entrei no carro e sai o mais rápido que pude. Dirigi sem chorar por quase 20 minutos, mas ai, quando o rádio começou a tocar “Dig a pony”,música que sempre embalou minhas piores fossas, o choro veio.
Não era bem tristeza, era ódio e nojo.Não chovia, o céu estava azul e com poucas nuvens.O sol também não esquentava, mas u pouco me importava com o clima.E eu subi a serra chorando, copiosamente.Um motoqueiro do meu lado perguntou se eu estava bem .Um senhor me perguntou se eu precisava de ajuda.Não preciso moço.Só preciso pegar meu amor próprio, que ficou lá na praia.Como toda a merda que aconteceu esse final de semana.
Nenhum comentário:
Postar um comentário